“Os silenciamentos ou invisibilidades nos meios de comunicação tradicionais reproduzem o racismo ambiental e a injustiça climática”, destaca o minimanual “Como cobrir temas indígenas: recomendações de jornalistas indígenas a jornalistas não indígenas”, produzido pelo Núcleo de Ecojornalistas do RS com o apoio do Programa de Pequenos Projeto da Fundação Luterana de Diaconia.
O manual, motivado por curso ministrado por Ingrid Sateré Mawé, Raquel Paris, Tarisson Nawa e Yago Kaingang sobre o tema, quer motivar a escuta dos saberes e práticas jornalísticas, qualificar a produção noticiosa e contribuir para o aprofundamento das pautas que trabalham a questão indígena no jornalismo nacional.
Também explica o que é a etnomídia, “a comunicação produzida por esses povos”. Ela reivindica espaços ocupados hoje apenas por jornalistas não indígenas. O jornalismo indígena “é baseado na representação e busca fazer com que a sociedade enxergue os 305 povos originários brasileiros em sua diversidade cultural, autonomia e respeito pelo seu bioma”.
Profissionais da imprensa devem compreender os modos de vida dos povos indígenas, seus saberes e as práticas ancestrais baseadas na conexão com a natureza, na agroecologia e nas tecnologias sociais indígenas. São ações que ajudam a amenizar os efeitos das mudanças climáticas.
Para jornalistas indígenas o jornalismo é “uma ferramenta de luta” que se vale principalmente das mídias alternativas. Ele é, destaca o manual, parcialmente localizado, pois é produzido a partir dos olhares de cada povo; também é regionalmente situado, pois o ponto de partida é o território. Ele prioriza as fontes indígenas e a comunicação audiovisual e sonora em função da oralidade predominante entre os povos originários. “O jornalismo indígena contribui para a descolonização do olhar, pois evidencia os saberes e histórias de cada povo”, lembra Raquel Paris.
O manual traz dicas para jornalistas não indígenas de como proceder em reportagens e entrevistas com fontes indígenas. Durante a entrevista, e tendo como entrevistado alguém que não fale o português, o repórter deve recorrer a tradutores. O repórter deve considerar as especificidades de cada povo para abordar os temas, estudando o povo e o assunto reportado antes de ir a campo.
Ao registrar falas e imagens em áudio, vídeo ou fotografia, o manual recomenda que o repórter peça licença antes de iniciar o registro. O repórter deve entender que a espiritualidade é muito presente entre os povos indígenas. Assim, deve demonstrar abertura para ouvir e tentar compreender o contexto daquela inserção e sua importância para o povo ou comunidade. Diante da diversidade de culturas, saberes e espiritualidades, é importante não generalizar práticas e experiências.
Ao jornalista não indígena é indicado que não reproduza estereótipos; que utilize o termo indígena – significando “originário da terra”- e evite o “índio”, usado pelos portugueses que pensaram ter chegado à Índia quando pisaram solo tupiniquim. Deve evitar o uso de “tribo” ou “reserva”, que remetem à ideia colonizadora de que indígenas são selvagens, observando como alternativas “aldeia”, “povo” e “território”.
O recado do manual também é dirigido às empresas de comunicação: que invistam na contratação de profissionais indígenas, para que de fato haja diversidade no fazer jornalístico e para contemplar as perspectivas dos povos indígenas.
Matérias sobre questões indígenas devem levar em conta a perspectiva de retomada do território ancestral, “uma reivindicação legítima após tantos séculos de expulsão violenta dos indígenas das terras que historicamente ocupavam”.
Assim, a tese do Marco Temporal – que leva em conta o território que estava ocupado em 5 de outubro de 1988, quando entrou em vigor a Constituição Federal – é, na perspectiva indígena, “anticonstitucional e desumano, pois desconsidera a presença dos povos originários no continente há mais de 11 mil anos”.
O minimanual reuniu as lições transmitidas no curso por Ingrid Mawé, licenciada em Ciências Biológicas e graduanda em Comunicação Institucional; por Raquel Paris, do povo Kariri, doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal do Ceará, mestra em Literatura e Interculturalidade e graduada em Jornalismo; Tarisson Nawa, graduado em Jornalismo pela Universidade Federal de Pernambuco e mestrando em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro; e Yago Kaingang, jornalista formado pela Universidade Estadual de Londrina.
Para acessar o material completo, de forma gratuita, basta preencher o formulário disponível neste link.
–
Capa do minimanual “Como cobrir temas indígenas”, organizado pelas jornalistas associadas ao Núcleo de Ecojornalistas do Rio Grande do Sul (NEJ-RS) | Arte: Divulgação